A videira verdadeira.

Matteus Almeida
9 min readMar 27, 2023

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Em João 15.1–17 o Nosso Senhor inicia o seu discurso trazendo uma imagem de uma árvore, mais precisamente uma videira. Todavia, por que a esta altura Jesus utiliza-se da figura de uma videira? Obviamente os ouvintes primários (judeus) sabiam exatamente o que Jesus queria dizer sobre a comparação com a videira. Porém, como nós estamos a muitos séculos de distância do contexto original deste discurso, precisamos analisar o contexto histórico e religioso da época de Jesus para que possamos extrair as verdades essenciais e os tesouros contidos no discurso de Cristo.

Ao comparar-se com uma videira, Jesus sabia exatamente o que estava falando e para quem as suas palavras foram direcionadas. A videira e consequentemente as ilustrações a cerca desta árvore eram bastantes presentes em Israel. Afinal, o que significava a videira?

Imagine que você é um agricultor que plantou uma vinha. O propósito de plantar uma vinha é se beneficiar de seus frutos, e não de ter uma árvore para ficar sob a sua sombra para escapar do calor. Ou seja, uma boa árvore frutífera é avaliada por sua produtividade. Quanto mais frutos, melhor é a árvore. Deus plantou uma árvore e essa árvore frutífera chamava-se Israel. Como um bom agricultor, o Senhor cuidou pacientemente, regando, cavando ao redor e fornecendo o que era necessário para o pleno desenvolvimento da árvore e aguardou os seus frutos. Todavia, não houve frutos, apenas uvas bravas.

Agora cantarei ao meu amado o seu cântico a respeito da sua vinha. O meu amado teve uma vinha numa colina fértil. Ele cavou a terra, tirou as pedras e plantou as melhores mudas de videira. No meio da vinha ele construiu uma torre e fez também um lagar. Ele esperava que desse uvas boas, mas deu uvas bravas. “E agora, ó moradores de Jerusalém e homens de Judá, peço que julguem entre mim e a minha vinha. Que mais se podia fazer à minha vinha, que eu não lhe tenha feito? E como, esperando eu que desse uvas boas, veio a produzir uvas bravas? (Isaías 5.1–4)

Jesus então afirma que ele agora seria a videira verdadeira (Jo 15). A árvore que produziria os frutos tão esperados pelo seu Pai, o agricultor. Jesus afirma que para viver precisamos ser os galhos que permanecem na árvore. Ele é a árvore da vida, a fonte de toda vitalidade e somente poderemos viver enquanto permanecermos afixados na videira verdadeira. Afinal, é a árvore que fornece os nutrientes necessários para o crescimento saudável de cada galho, cada ramo.

A videira e os ramos é a ilustração perfeita da constante dependência de vida e comunhão que o crente possui por Cristo. Posteriormente, em diversas partes da Escritura os escritores neotestamentários utilizam figuras diferentes para explicar a relação entre Cristo e o seu povo, a relação entre a cabeça e o corpo e também a relação entre o homem e a mulher no casamento. (1 Co 6.15–19; Ef 4.15, Ef 5.25,30; Rm 12.4–5; 1 Co 12.21–23)

Os ramos que produzem frutos são limpos e podados para produzirem ainda mais. Essa é a lógica, para uma maior produtividade espiritual os galhos precisam ser podados, são as dificuldades que geram maior fidelidade e relacionamento mais próximo com Deus. É por este motivo que crentes fiéis também passam por circunstâncias difíceis, não é por pecado pessoal, mas porque é desejo de Deus que seus ramos sejam podados, fé provada e amadurecida para a produção de mais frutos para o Reino. Podas esporádicas são necessárias para o pleno desenvolvimento dos ramos, confiemos no lavrador, ele é suficientemente sábio para fazer o que é necessário.

Estamos prontos para passarmos pelas podas divinas? Notemos que a limpeza dos galhos vem antes da frutificação. É oportuno ter as nossas afeições, desejos, planos, motivações e tudo o mais alinhado com os propósitos divinos, ainda temos muito dentro de nós que precisa ser retirado, abandonado e limpo para que possamos produzir frutos da maneira correta. O que Deus precisa tirar de você? O que impede o teu crescimento e frutificação? O que temos nos apegado com todas as nossas forças? Quem são as pessoas que estão impedindo o nosso amadurecimento? Quem precisa ser retirado de nossas vidas para agradarmos a Deus? Será que hoje o Senhor encontraria frutos em nossos galhos? É oportuno recordar que os galhos sem frutos serão cortados. Isto é, de árvores espera-se frutos, de cristãos espera-se comportamento, vida adequada, obediência, afeições ordenadas e honra a Deus. Dos galhos que estão na árvore esperam-se muitos frutos.

Cristo afirma que os seus já estão limpos. A palavra do Mestre os limpou. Agora é hora de produzir frutos para o Reino. Tudo o que era necessário foi feito, o processo de viver com Jesus, caminhar com o mestre na escola do discipulado permitiu que cada discípulo tornar-se apto para produzir. Semelhantemente é o que acontece conosco, não temos impedimento, é hora de manifestar frutos. Será que hoje o Senhor encontraria frutos em nossos galhos?

“Porque sem mim nada podeis fazer.”

É possível um galho sozinho produzir algo se foi destacado da árvore? O imperativo de Cristo é para que os discípulos permaneçam. O Senhor mostra a nossa falibilidade, fraqueza, incapacidade e tolice. De forma direta afirma que tudo de bom que podemos produzir para o Reino, inclusive a nossa própria permanência (vida) no Reino depende inerentemente da nossa permanência na videira. Não há vida e frutos sem a conexão com a árvore. Longe dele apenas existe sequidão e morte. Se galhos fossem autossuficientes para produzir frutos nós os tomaríamos aos montes e guardaríamos em casa para facilitar a colheita de frutos. Mas, nós sabemos o que acontece com galhos longe da árvore, quando caem, secam e morrem. Este é o destino de todo àquele que não permanece.

Permanecer é continuar, insistir, ficar, persistir, no caso, é permanecer no amor de Cristo. Permanecer é a ilustração da unidade e dependência dos discípulos ao Mestre. Como saber se somos galhos que ainda estão na árvore ou se já caímos e estamos no processo de morte? Permanecemos em Cristo quando suas palavras permanecem em nós. Não em nossa boca simplesmente, mas em nossas atitudes. Permanecemos em Cristo, no seu amor, quando guardamos (praticamos) os seus mandamentos. O verbo permanecer é citado diversas vezes no discurso de Jesus, permanecer não é para todos. É necessário ter uma atitude de vigilância.

Como saber se estou ainda na videira? Quando guardamos os mandamentos, fazendo o quê e como Jesus fez. O mestre deu a sua vida por seus amigos. Permanecer é amar “à maneira” de Deus. Quem ama permanece na videira. Viver com Jesus é viver como Jesus. De fato, nós queremos ter Jesus em nossa vida cotidiana, contudo não desejamos viver como Jesus. Não sentimos o que Jesus sentia, não frequentamos os lugares onde Jesus estaria, não possuímos as mesmas companhias que o Mestre, e não desejamos aquilo que Cristo almejava. Ou seja, isto é uma incongruência! O discípulo imita o seu Mestre. O filho deseja ser como o pai, pois o bom pai inspira os filhos.

“Pedirão o que quiserem, e lhes será feito.”

Indivíduos mal intencionados podem tirar o ensino do seu contexto para afirmar que Deus tem o compromisso de realizar tudo o que desejamos. Não obstante, Jesus diz que quando permanecemos nEle e Ele em nós, não há confusão de vontades, a nossa alegria e eterna satisfação é querer o que Deus quer. É isso que Jesus deseja para o seu povo, assim como Ele permanece no Amor de Deus, precisamos nós permanecer em seu amor também. Certa vez, Jesus diz que a sua comida é fazer vontade do Pai (Jo 4.34). Jesus vivia para Deus, por isso o que ele desejava era o que Deus queria. Quando guardamos os seus ensinos, permanecemos tão intimamente ligados à videira que o que desejamos, a nossa alegria, é a plena satisfação em Deus, em glorificá-lo.

“Nisto é glorificado o meu Pai: que vocês deem muito fruto; e assim mostrarão que são meus discípulos.”

Quais frutos estão sendo produzidos? Demonstramos que somos discípulos por aquilo que vivemos, frutos são produzido com ações. Internalizamos os ensinos que são manifestados visivelmente em frutos. Jesus já disse que árvores boas são boas porque possuem bons frutos. A produção de frutos é uma comprovação inequívoca de nossa conversão interna. Produzir frutos é honrar a Deus, fazer o bem. Não se coloca uma luz em baixo da cama (Mt 5.15). Permanecer no amor é obedecer ao Amor (1 Jo 4.8).

O ensino de Jesus era diferente e percebido pelas pessoas porque, diferentemente dos escribas e fariseus, Cristo ensinava com autoridade e autenticidade (Mt 7.28). Era possível ver em sua vida a plena encarnação de seus ensinos e crenças. Jesus morreu por aquilo que fez e não simplesmente pelo que falou. As suas palavras encorajavam os fracos e oprimidos, os sobrecarregados de pecados, ao mesmo tempo em que, confrontava os erros e as injustiças dos mal intencionados. A vida e o ministério de Jesus denunciava a hipocrisia da falsa religião e tal denúncia fez com que os ensinos de Cristo tornam-se insuportáveis para os líderes judaicos. A verdade quando manifestada torna a mentira obsoleta. Jesus precisava ser calado, a sua vida precisava ser interrompida. É isso que o mundo faz com as ameaças.

“Como o Pai me amou, também eu amei vocês, permaneçam no amor.”

Jesus nos diz que a nossa alegria será completa, quando permanecermos em seu amor. Ou seja, é vivendo como Ele viveu que teremos alegria completa. Enquanto a nossa sociedade afirma em todos os lugares que precisamos fazer o que desejamos e viver assim nos tornará felizes, Cristo diz que o caminho é o inverso: “Mais bem aventurado é dar do que receber.” (At 20.35). É no “auto esvaziamento” que encontramos a completa alegria, é no “ser nada”. Assim, tal atitude somente faz sentido para aqueles que permanecem no amor, guardando os mandamentos. Permanecemos no amor de Cristo quando amamos uns aos outros como Ele fez.

“Não foram vocês que me escolheram; pelo contrário, eu os escolhi e os designei para que vão e deem fruto, e o fruto de vocês permaneça, a fim de que tudo o que pedirem ao meu Pai, em meu nome, Ele lhes conceda.”

Quando estamos no amor, pediremos tudo o que agrada a Deus. Na época de Jesus, eram os discípulos que escolhiam os rabinos que queriam seguir. No entanto, o Senhor deixa claro que a escolha dos discípulos foi dele. É uma escolha que tem propósito. É para uma produção de frutos permanentes. A obediência gera permanência. Se não temos intenção de obedecer a Jesus, consequentemente não temos a intenção de permanecer em seu amor salvífico.

“O que eu lhes ordeno é isto: que vocês amem uns aos outros.”

A conclusão do discurso de Jesus deveria nos fazer tremer. Pois a ordem é que façamos como Ele fez. Amar como Cristo amou é o maior desafio imposto sobre a vida do discípulo. Não há malabarismo hermenêutico a ser feito, é simplesmente fazer o que está escrito: amem uns aos outros. Contudo, eis aí o desafio. É amar os outros em um mundo onde somos ensinados a ser egoístas e individualistas. Quando meditamos na qualidade do Amor de Cristo sobre nós, compreendemos que isto faz total diferença em nosso tratamento com o próximo. Ou seja, se Deus é paciente, bondoso, gracioso e longânimo quando trata comigo, por que direciono ao meu próximo sentimentos diferentes? Se desejarmos ser amigos de Deus é necessário obedecê-Lo, guardando os seus mandamentos.

“Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e verdade.” (1 Jo 3.18)

A verdade para os nossos corações e mentes:

1. Permanecer em Deus fará com que sejamos íntimos dele e peçamos aquilo que o agrada. A união com Jesus é essencial para a vida cristã e produção de frutos. Uma maior consciência da presença de Deus em nossas vidas, pois estamos com Ele e Deus está conosco. Temos a factível experiência do Deus conosco (Emanuel). Não há nada melhor do que ter a certeza que Deus é por nós, possuímos essa certeza quando guardamos os seus mandamentos.

2. Permanecer em Jesus faz com que vivamos como Jesus. Aprendemos a amar ao próximo como Jesus amou, este é o mandamento. Para viver com Jesus, precisamos viver como Jesus. Precisamos ter paciência com os outros, porque o Senhor tem paciência para conosco.

3. Permanecer em Jesus faz com que tenhamos as nossas afeições e vontades ordenadas pela Palavra de Deus. O Senhor muda o nosso interior fazendo com que almejemos o que ele se agrada, o que traz mais Glória ao seu Nome. A nossa alegria estará completa quando a alegria de Jesus estiver em nós.

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Matteus Almeida

Missionário no Sertão Cearense. Uso o Medium para salvar os meus sermões e reflexões.