O Êxodo e a Páscoa.
“(…)Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado.” (1 Co 5.7)
O Êxodo é uma das histórias mais incrivéis já contadas, não é a toa que a saída do povo de Israel do Egito em direção ao deserto é uma das narrativas mais comentadas em toda a Escritura. Em poucas palavras, o Êxodo é a libertação da escravidão egipcia e o inicio da peregrinação no deserto. O Êxodo foi o maior ato divino de salvação no Antigo Testamento.
No relato veterotestamentário observamos que a saída de todo o povo do Egito foi uma obra sobrenatural, de fato foi a intervenção divina que fez com que Israel saísse em segurança para o deserto. O Senhor operou sinais e maravilhas na terra do Egito a fim de que o seu povo pudesse sair para adorá-lo, afinal, Deus nunca havia esquecido da aliança firmada com Abraão (Gn 12.1–3).
O evento que culminou na saída de Israel do Egito foi a celebração da Páscoa (Êx 12), o sangue de um cordeiro era aspergido sobre os umbrais das portas do povo para que funcionase como um “sinal”.
O sangue será um sinal para indicar as casas em que vocês se encontram. Quando eu vir o sangue, passarei por vocês, e não haverá entre vocês praga destruidora, quando eu ferir a terra do Egito. (Êxodo 12.13)
Portanto, o sangue do cordeiro funcionava como uma marca da aliança. Foi o meio providenciado por Deus a fim de salvarnos. Desta forma, o símbolo do cordeiro que foi morto em lugar do povo permanece no imaginário popular e deveria ser transmitido para as futuras geraçoes (Êx 12).
Assim, passado muitos anos, um certo homem chamado João Batista começa a pregar no deserto, afirmando que um outro homem chamado Jesus era o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” (Jo 1.29). Será que já ouvimos esses termos antes “deserto”, “cordeiro”, será que soa como algo familiar? Talvez para nós leitores do séc. XXI “deserto” e “cordeiro” não significam nada, mas para os ouvintes imediatos de João esses termos aplicados a um homem faziam total sentido, eles sabiam de onde João Batista havia retirado essas palavras e de que tipo de história o profeta estava falando.
Não surpreende, portanto, que Jesus percorra o deserto, onde suporta quarenta dias (correspondente aos quarenta anos de peregrinação no deserto) de tentação (Mt 4.1- 11). Notavelmente, as três tentações se relacionam por completo às tentações com as quais Israel se confrontou no deserto. Enquanto Cristo resistiu à tentação, Israel cedeu diante dela. As respostas de Jesus a Satanás confirmam a analogia, pois todas são tomadas das falas de Moisés registradas em Deuteronômio (8.3; 6.13; 6.16), nas quais ele previne Israel para não se comportar como havia feito no deserto. Jesus, assim, demonstra a seus seguidores que ele é precisamente obediente onde os israelitas foram rebeldes. (Introdução ao Antigo Testamento)
Jesus foi para a cruz durante o tempo da Páscoa (Mt 26.19; Mc 14.16; Lc 22.13). Em essência, ele se tornou o cordeiro da Páscoa que morre em lugar de outros (1 Co 5.7). Mas, por que Cristo precisou morrer? Para salvar o seu povo.
Semelhantemente ao que ocorreu no Êxodo, a libertação do povo da opressão e escravidão egípcia, o homem ainda vive debaixo de uma escravidão. Entretanto, as algemas que nos prendem hoje são muito mais severas, não conseguimos quebrá-las, para onde nós vamos estamos acorrentados. Estamos algemados pelo pecado e necessitamos de redenção. Portanto, assim como um cordeiro precisou ser morto e seu sangue aspergido para salvar, no Novo Testamento um cordeiro inocente também foi morto. Entretanto, como o inimigo é bem mais poderoso foi necessário um substituto bem mais eficaz, agora não fomos libertos da opressão de uma nação, mas fomos libertos de nós mesmos! O problema que o ser humano criou não poderia ser resolvido pelo ser humano.
No Êxodo, a libertação da escravidão foi literal. Deus libertou o seu povo, e os trouxe para perto de si mesmo, a fim de que no deserto o Senhor fosse adorado.
Vocês viram o que fiz aos egípcios e como levei vocês sobre asas de águia e os trouxe para perto de mim. Agora, pois, se ouvirem atentamente a minha voz e guardarem a minha aliança, vocês serão a minha propriedade peculiar dentre todos os povos. Porque toda a terra é minha, e vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa. (Êxodo 19.4–6)
O propósito divino continua sendo o mesmo no Novo Testamento, Deus nos tira de um determinado lugar e nos leva para outro. Em outras palavras, somos retirados do domínio das trevas (salvação) e colocados no Reino de Deus. Possivelmente o apóstolo Paulo tem em mente a história do Êxodo e faz uma analogia bastante elucidativa a cerca de nossa salvação através do sangue do Cordeiro. A redenção de nossos pecados.
Dando graças ao Pai, que os capacitou a participar da herança dos santos na luz. Ele nos libertou do poder das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado, em quem temos a redenção, a remissão dos pecados. (Coossenses 1.12–14)
Desta forma, a pergunta é: por quê Cristo precisou morrer? Se Deus quissesse poderia simplesmente perdoar as nossas faltas? Para salvar era necessário morrer. “Sem derramamento de sangue não há remissão de pecados” (Hb 9.22b), o juízo para todo aquele que quebrava a lei de Deus era a morte “a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18.20). “O salário do pecado é a morte” (Rm 6.23a). Ou seja, todo aquele que não conseguia cumprir as exigências da Lei de Deus, deveria morrer. Os nossos esforços, por mais bem sucedidos que fossem, nem mesmo se aproximavam das exigências divinas. Ou seja, nós estavámos setenciados a morte. Quem deveria morrer era eu e você, morrendo justamente por causa de nossa transgressão. Certa vez uma irmã meditando sobre essas verdades afirmou que mesmo que permanecêssemos trancados em um quarto para sempre ainda sim pecaríamos.
Desta forma, alguém precisaria tomar o nosso lugar, ser o nosso substituto. Para que você pudesse viver, alguém precisaria morrer. “ninguém tem amor maior do que este: de alguém dar a própria vida pelos seus amigos” (Jo 15.13). Deus não poderia simplesmente deixar passar tamanha desobediência contra a sua santa lei, afinal, ao mesmo tempo que Ele é misericordioso também é justo, não há conflito entre os atributos divinos. Esse alguém não poderia ser um igualmente condenado, do que adiantaria trocar um pecador por outro, qual o efeito de substituir um adúltero por um mentiroso? Ou um soberbo por um egoísta? Ou trocar barrabás pelo ladrão da cruz? Era necessário um justo, somente alguém que conseguisse caminhar e obedecer perfeitamente a Lei de Deus seria um substituto adequado para o sacrificio. Pense por um momento, você colocaria o seu único filho inocente para morrer no lugar de pessoas que não merecem nem mesmo um centímetro do seu terno amor? Isso é a cruz. A loucura da pregação do evangelho (1 Co 1.21b).
Jesus cumpriu as exigências divinas, a fim de que pudessemos viver ele morreu. Mas a história não para por aqui, no terceiro dia ele ressuscitou (1 Co 15.4), derrotando a própria morte e tornando-a obsoleta. A morte não teria poder de suplantar a Vida.
Finalizo com um dos trechos mais belos de toda a Escritura:
“Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos as pessoas mais infelizes deste mundo. Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem. Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, na sua ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda. E então virá o fim, quando ele entregar o Reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque é necessário que ele reine até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte.” (1 Co 15.19–26)
“Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a sua vitória? Onde está, ó morte, o seu aguilhão?” O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos dá a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.” (1 Co 15.54–57)