O Deus que transforma narrativas.

Matteus Almeida
4 min readJan 31, 2024

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Photo by Wolfgang Hasselmann on Unsplash

Ultimamente venho pensando sobre as narrativas bíblicas e seus personagens do Antigo Testamento. As narrativas bíblicas são cheias de personagens reais e não ideais, que mostram uma espiritualidade que salta de histórias da vida real: conflitos internos, familiares, guerras e etc.

A história de Hagar é um bom exemplo (Gn 16). Hagar era serva de Sarai esposa de Abrão. O contexto é que Deus havia prometido uma descendência (filhos) para Abrão, porém já havia pelo menos 10 anos que Abrao e sua família estavam em Canaã e não havia nem sombra que a promessa estava próxima de se cumprir. Pelo contrário, parecia que a promessa não tinha como acontecer pois Sarai era uma mulher estéril.

Isto é, Deus falou mas as coisas permaneciam muito distantes.

Assim, Sarai tem uma ideia: oferecer sua serva Hagar para ser um tipo moderno de “barriga de aluguel” para dar um filho a Abrão. Aos olhos do Patriarca parecia ser uma boa ideia.

Deus havia falado que Abrão seria um pai de multidões e que Sarai teria um filho. Contudo, os anos estavam passando, o casal envelhecendo e consequentemente a fé também esfriando. Certamente Sarai sentia-se como alguém culpada por não poder proporcionar o filho da promessa ao seu marido, e o pior, possivelmente sentia-se como um obstáculo para a concretização da promessa. Uma mulher com o ventre fechado não pode dar luz a filhos.

Semelhantemente, hoje em nossas narrativas, passamos por situações parecidas. A espera confiante não encontra espaço em nosso coração. No lugar da esperança, cultivamos a incredulidade. E o pior, como Sarai, somos tentados a “ajudar Deus.” Nos esquecemos que Deus não precisa de nossa grande sabedoria para cumprir os seus bons propósitos (Rm 11.34).

A gravidez de Hagar começou a trazer atritos familiares entre a serva e a senhora. Não é que a gravidez em si proporcionou a intriga, mas revelou o que havia nos corações. Hagar após ficar grávida despreza Sarai. A esposa de Abrão, por sua vez, humilha tanto a sua serva que Hagar foge para o deserto.

A narrativa de Gênesis 16 demostra que em muitas situações da vida não há ninguém totalmente certo e nem totalmente errado. Na verdade, neste caso especificamente, todos estavam errados. Todos tinham uma parcela de culpa:

Abrão ao consentir com a ideia de sua esposa que foi fruto de impaciência e falta de fé na promessa de Deus.

Sarai por ter humilhado sua serva, fruto da inveja devido à gravidez.

Hagar pelo orgulho e altivez após ficar grávida.

Com Hagar, aprendo a não desprezar os outros e não demonstrar orgulho. Da mesma forma, percebemos também que fugir não é a solução para os nossos conflitos, neste caso, problemas familiares. Ainda que soframos devido à pecados de terceiros (a inveja de Sarai) fugir não é a solução, a angústia e a mágoa irão nos perseguir. A reconciliação é o caminho.

Deus pergunta: “Hagar, serva de Sarai, de onde vens e para onde vai¿”

Foi no deserto que Hagar percebeu a presença do Onipresente. Por suas palavras: “O Deus que me vê”. O encontro com Deus aconteceu na aflição. Deus achou Hagar em sua perdição. Deus viu a serva abandonada e desvalorizada, o Senhor compadeceu-se de sua situação. Deus viu e mostrou o caminho: a reconciliação. Para Hagar a solução não foi fugir, mas abandonar o orgulho e retornar para casa, submeter-se a sua senhora, perdoar e restaurar a relação.

Submeter-se a alguém que nos humilhou é esvaziar o ego. Notemos que havia uma promessa para a vida de Hagar e seu filho, Deus não esqueceu a serva. No entanto, era necessário regressar. Assim, para muitos de nós, retornar para o lugar de onde fugimos humilhados é fundamental para que Deus exerça a sua compaixão, primeiro em nossa própria vida, e depois na vida de outros.

Se já percebemos a presença daquele que nos vê, se os nossos olhos espirituais foram abertos para perceber a presença dAquele que sempre esteve próximo, sejamos misericordiosos e compassivos.

Deus estava orquestrando, arquitetando e intervindo na história de Hagar, Sarai e Abrão. Ao mesmo tempo em que, orquestra, arquiteta e intervém em nossas narrativas hoje. Deus está trabalhando paulatinamente em cada peça de nossas histórias. Em cada movimento seu, revelando a sua perfeita vontade, nos instruindo no caminho do perdão e da reconciliação.

Deus pergunta para onde Hagar estava indo. E você? Para onde vai? Também fugindo do conflito?

Retorne, faça o caminho inverso. Busque a reconciliação. Restaure e viva.

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Matteus Almeida

Missionário no Sertão Cearense. Uso o Medium para salvar os meus sermões e reflexões.